“Já ouvi mais do que podia aguentar! Vocês são consoladores de araque!” (Jó 16:2 - Bíblia Mensagem)
O livro de Jó é leitura obrigatória para todos aqueles que atuam na área do aconselhamento: pastores, capelães, missionários e outros irmãos que se dedicam ao cuidado daqueles que sofrem. A maior parte do livro de Jó é dedicada aos diálogos entre Jó e seus “amigos”, e o que observamos a partir desses diálogos é o total despreparo dos três amigos de Jó na arte do aconselhamento. Daí a expressão usada por Jó: “consoladores de araque”.
Em “O livro de Jó”, o teólogo Bertrand Pinçon diz que as cidades de origem dos amigos de Jó (Jó 2.11) ficavam para além do Jordão, na região de Edom, conhecida pela valorização da sabedoria (Jeremias 49.7). As argumentações apresentadas pelos amigos de Jó demonstram que eles não eram pessoas incultas. No entanto, Pinçon levanta duas questões importantíssimas: Será que eles sabiam exatamente qual a sabedoria que estavam defendendo? E será que a sabedoria defendida por eles poderia lançar luz sobre a causa do mal que Jó estava sofrendo?
Ter um bom preparo teórico é de fundamental importância para conselheiros cheios de compaixão. Infelizmente nem todos os conselheiros reconhecem isso. Mas, não é suficiente. Cito mais uma vez Pinçon, quando ele diz que “A sabedoria escapa à captura pela mente humana. Somente Deus é capaz de revelar ao ser humano a sabedoria que ele possui”. Rubem Alves diz que para ser teólogo é preciso ser um pouco louco, tendo em vista que Deus “não é um pássaro na gaiola da razão”.
A despeito de todo conhecimento, Jó diz para os seus três “amigos” que eles não passavam de “consoladores [conselheiros] de araque”. Vale destacar que mesmo frente a tanto sofrimento, Jó demonstrou saúde espiritual e mental ao refutar os juízos e julgamentos impróprios dos seus amigos.
Por que Jó chama os seus “amigos” de consoladores [conselheiros] de araque? Seria porque eles estavam tentando aliviar o sofrimento que ele estava sentindo com a mesma frieza intelectual que um necropsista busca a causa mortis em um cadáver frio? Esqueceram que a alma, por ser alma, não pode ser dissecada. A alma só pode ser sentida. O aconselhamento não é uma investigação sobre a causa do sofrimento, mas uma válvula de escape para o sofrimento.
Um aspecto muito importante na prática do aconselhamento é reconhecer que para tocar o ser do outro é preciso ter a percepção de si mesmo. Até porque, como bem questiona outro teólogo, Jean-Yves Leloup, no livro “O absurdo e a Graça”: “pode-se aprender a tocar o ser do outro quando não se despertou em si mesmo o seu ser?”. Eis aqui um ponto crucial que diferencia o bom conselheiro, do conselheiro de araque: o conhecimento de si.