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Pedagogia Integral para formar a pessoa integral

Ao considerar os destaques no processo educacional desenvolvido nas várias esferas de ensino, tem sido possível observar que diversas ênfases são consideradas, permeando não apenas as práticas de ensino em sala de aula, mas também a elaboração de matrizes curriculares, além de procedimentos no processo de ensino/ aprendizagem. Se a ênfase não considerar outras facetas, poderá haver distorções nesse processo. Assim:

 

Se uma instituição escolar busca focalizar a transmissão de conhecimentos, acabará enfatizando o lado acadêmico da formação do aluno;

 

Se o foco for a formação pragmática, irá preparar o aluno para o campo de trabalho, mas sem segura garantia de conhecimentos básicos e fundamentais que dê sustentação à sua atuação;

 

Se o foco for considerar em primeiro lugar o aluno (por exemplo, a educação rogeriana), poderá desconsiderar situações e demandas importantes que o aluno poderá até desconhecer, deixando de oportunizar a amplitude do universo à sua volta;

 

Se a formação focalizar a dimensão afetivo-relacional, terá a riqueza em desenvolver no aluno a compreensão da vivência inter-relacional, gestão de conflitos humanos, por exemplo, mas poderá deixar de lado os outros aspectos.

 

Poderíamos ainda incluir a construção do conhecimento (construtivismo) e outras ênfases. Vejam que cada destaque tem suas vantagens, mas deixa de lado o alcance de outras dimensões da formação do aluno e afeta todo o processo e sistema educacional.

 

Se nosso olhar utilizar a lente de Educação Cristã (equivocadamente confundida hoje com Educação Religiosa), isto é, a visão e concepção da educação à luz dos princípios, filosofia e teologia cristãs, poderemos ir mais adiante e ter melhores conquistas. Vamos apenas dar algumas pinceladas a partir dessa concepção.

 

Partindo da concepção antropológica cristã, o ser humano é visto de forma ampla, mais do que corpo, mais do que alma ou dimensão espiritual, inclui a dimensão neuro-psicoafetiva, mas também a dimensão histórica, produtiva. Podemos ainda compreender que nos dois grandes mandamentos mencionados por Jesus temos o envolvimento do ser humano no amor a Deus em suas mais variadas dimensões, não apenas na espiritual (“Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força.” - Mc 12.30), amar a si mesmo e ao próximo a partir desse amor a si. Assim, a antropologia bíblica aponta para o ser humano como um ser integral.

 

Aliado a isso, podemos ainda nos valer dos ideais originais de Lausanne I (1974) no destaque do ser humano de forma integral com a concepção do Evangelho todo, para a pessoa toda e toda a pessoa.

 

Se a educação tem como alvo principal preparar o ser humano para a vida, então deverá, do ponto de vista cristão, considerá-lo da mesma forma recebendo ele integral atenção no processo de sua formação pela educação. Aqui entra o que chamo de Pedagogia Integral, que iniciei a desenvolver em 1990 a partir dessas fontes.

 

A concepção da Pedagogia Integral se expressa por meio de “verbos de ação pedagógica”. Por exemplo, se o processo educacional focaliza o conhecimento, temos o verbo CONHECER. Mas, dentro da percepção cristã e no modo Batista de pensar, temos o conceito da “competência da alma”, que herdamos do princípio da Reforma conhecido como “sacerdócio de todos os crentes”. Da competência da alma surgem dois outros conceitos fundantes de nosso modo de ser e pensar – liberdade de consciência e de expressão – que nos dá livre acesso às Escrituras. Daqui surge o verbo adicional REFLETIR, isto é, construir o conhecimento, as convicções, por meio de ferramentas interpretativas adequadas e sadias. Como estamos falando em conhecimento, temos aqui um binômio CONHECER/REFLETIR.

 

Prosseguindo, temos também a concepção da operosidade do ser humano. Nascemos não apenas para pensarmos, mas também, como sujeitos históricos, para construirmos o mundo, transformá-lo. Aqui entram nossos dons e talentos. Assim, temos o verbo FAZER, que nos leva ao senso de líderes-servos.

 

Viver é conviver, pois não é bom que o ser humano viva só (Gênesis 2.18), então, estando envolvidos em relacionamentos humanos, teremos diante de nós o desafio de gerir estes relacionamentos, seus conflitos, desenvolver comunhão etc. O destaque aqui fica para o verbo CONVIVER.

 

Isto tudo exige que estejamos preparados internamente, isto é, emocional e mentalmente, para a vida, para o trabalho, para a convivência, para o diálogo que também a construção do conhecimento exigirá. Aqui surge a necessidade de cuidarmos do SENTIR, da construção de sentimentos, afeições e atitudes mentais sadias, funcionais e produtivas. Hoje, se fala em mindset, assim a formação integral necessita capacitar os alunos em saberem lidar com seu mindset de forma criativa e integrativa com a utilização do que é chamado de inteligência emocional, que figura em diversas partes do texto bíblico.

 

Mas, acima de tudo, está o próprio ser humano em si, isto é, a sua formação de caráter, de valores, de hábitos- -intenções-propósitos saudáveis, que venham lhe dar segurança na construção de sua história pessoal e levá- -lo a ser modelo de vida para outros. Aqui temos o fundamento do processo discipular – sejam meus imitadores, como eu sou de Cristo (I Coríntios 11.1). Cada pessoa um discípulo de Cristo, mas mestre para outros discípulos. Temos assim o verbo SER, em que também podemos incluir o verbo TER, pois hoje me parecer que o SER tem sido validado pela posse de bens, direitos, status ou condições de vida, mas também pela cultura do descarte em outra ponta com a uberização da vida. O SER, o interior da pessoa, é muito, muito mesmo, relevante e deverá tomar boa parte do processo formativo da pessoa.

 

Vemos, assim, que essa visão cristã da Pedagogia Integral vai mais além do que os “4 Pilares da Educação” da UNESCO e de Jacques DeLors, que, aliás, não incluiu o importante pilar do SENTIR. Lembrando ainda que o relatório de DeLors foi apresentado à UNESCO a partir de 1992, após o período que desenhamos a Pedagogia Integral.

 

Portanto, a Pedagogia Integral com estes cinco conjuntos de verbos de ação pedagógica, deverá ser o núcleo (core em inglês) de todo processo educacional, seja num Colégio, seja na educação na Igreja, no lar e mesmo na formação teológica e ministerial, incluindo-se aqui as diversas áreas formativas, tais como educação, missões, capelania etc. A aplicação da Pedagogia Integral na construção de um sistema educacional, dos processos envolvidos no ensino-aprendizagem, na elaboração de conteúdos e de práticas educacionais, e mesmo na aplicação até de metodologia ativas trará enormes contribuições para a formação dos alunos como sujeitos-históricos e não meros sujeitos produtivos e de consumo da realidade, elevando-os a serem construtores e transformadores da vida, da sociedade, como sal, luz, bem à luz dos ideais do Evangelho.

 

Para ilustrar melhor essa dinâmica da PEDAGOGIA INTEGRAL veja a ilustração a seguir.

 

Lourenço Stelio Rega

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