Esta é uma pergunta que já ouvimos de muitos pais ao se referirem ao fato de que, mesmo sendo de pequena idade, uma criança demonstra, em geral, ser rebelde, egoísta, teimosa, se joga no chão quando não lhe fazem a vontade. Se tem uma irmãzinha ou um irmãozinho menor, pode acabar judiando dele, disputando espaço. A primeira palavra que aprende a falar é “não”. Enfim, muitos pais se perguntam: por que, sendo tão pequena, muitas vezes já se revela desse jeito? Alguns pais até afirmam que é assim mesmo, que as novas gerações nascem desse jeito e não adianta mudar!?
Bom, depois de criarmos três filhos, agora já adultos, casados, dos quais dois são pais, e termos três netas e um neto, tem sido possível considerar diversos aspectos do assunto e sugerir alguns caminhos para compreendê-lo.
Em primeiro lugar, já existem diversos estudos sobre a infância, sobre as características de cada fase da idade, por exemplo, na área da psicologia do desenvolvimento, que busca descrever o comportamento e os interesses de cada período da vida. Mas também existem estudos sobre patologias que vão se formando ao longo da vida.
Tem sido possível notar também o que eu chamo de “diagnósticos sazonais”, em que cada época parece enfatizar algum diagnóstico específico. Em uma época, era comum que crianças fossem logo diagnosticadas com TDAH; depois, autismo; também bipolaridade, e assim por diante. Com certeza, esse tipo de abordagem em nada ajuda a buscarmos respostas para nossa pergunta. Profissionais habilitados poderão ajudar com diagnósticos mais precisos.
A formação da personalidade, e também de suas disfunções, vai prosseguindo ao longo da vida e tem variadas fontes: desde o desenvolvimento fetal, passando pela cultura e ambiente familiar, a socialização da criança, até mesmo a constituição genética e orgânico-funcional.
Como disse, há abundante literatura sobre o tema, mas, como tenho como princípio buscar a compreensão de qualquer assunto de forma mais integral ou holística, entendo que será necessário aprofundar mais na busca etiológica desse cenário complexo, e também importante, pois estamos falando de vidas que estão sendo construídas como sujeitos portadores de história no desenvolvimento de seu projeto de vida desde as primeiras fases da idade. E aqui me refiro também a considerarmos o tema à luz dos ensinos bíblicos, teológicos e éticos.
Um dos primeiros detalhes que precisamos compreender é que Deus criou o ser humano dotado de liberdade. Então, decisão e escolhas estão presentes naturalmente na natureza humana desde a criação. Em outras palavras, o ser humano, seja qual for a idade, é um ser que decide, um ser ético. E, mesmo quando não decide algo, decide não decidir. Não há como fugir dessa característica. Por isso Deus colocou diante de Adão e Eva decisões que precisavam tomar diariamente.
Toda e qualquer decisão necessita de uma fonte de dados e informações para nortear a escolha e, ainda que dotado de liberdade, Deus criou o ser humano para depender de fontes externas que referenciem e norteiem suas decisões. Imagino que, pela passagem de um dia para outro (Gênesis 3.8), Deus orientava Adão e Eva sobre as decisões que iam sendo tomadas na gestão do jardim e da vida, fornecendo os fundamentos indicativos de como tudo deveria existir e funcionar. Ele, o Criador, orientava e dava as diretivas para a criatura criada. No campo da ética, chamamos isso de “heteronomia”, isto é, princípios ou normas (“nómos”, no grego) que procedem de outro (“hétero”, no grego).
Em resumo, Deus criou o ser humano para ser livre e heterônomo, mas não autônomo (do grego “autós”, próprio), ou seja, totalmente livre para decidir conforme quisesse. Só Deus é livre e autônomo, pois é um ser infinito, onipotente, portanto, soberano.
Assim, ao criar o Universo e também o ser humano, Deus estabeleceu seu funcionamento, suas características e atributos funcionais. Estabeleceu, assim, a sua finalidade de existência (Isaías 43.7; Efésios 1.12) e como deveria ser, existir e funcionar. A isso chamo de Plano da Criação.
Quando Deus indicou que Adão e Eva poderiam acessar qualquer coisa no jardim, inclusive a árvore da vida, mas não a árvore do conhecimento do bem e do mal, estava indicando que a fonte para se saber o bem e o mal, o certo e o errado, referenciais éticos e de valores, deveria ser proveniente dEle, o Criador. Deus apontou para eles que, se acessassem essa árvore, estariam querendo ser como Deus — o conhecedor da realidade, do certo e do errado, do bem e do mal (Gênesis 3.22) — e, então, estariam declarando independência contra Ele, pois, por conta própria, estariam buscando os fundamentos para suas decisões, não mais em Deus, mas em si mesmos.
Adão e Eva, então, se rebelaram e decidiram declarar independência contra Deus em busca de sua autonomia. Assim, foram expulsos do Jardim do Éden e do relacionamento com Deus, e surgiram todas as consequências iniciais dessa sua escolha (Gênesis 3.9ss).
Então, o interior do ser humano, sem a convivência com Deus, se tornou corrompido. Sem os referenciais do Criador, a humanidade foi se corrompendo e se destruindo. Querendo ser autônoma, a humanidade se vê agora escravizada pela sua natureza decadente, má, perversa, que lhe dá diretivas destrutivas para a vida. A história da humanidade vai demonstrando isso ao longo do tempo.
No campo da Teologia, chamamos tudo isso de natureza decaída, natureza pecaminosa, que é bem descrita pela Bíblia e pelo apóstolo Paulo em Romanos 7. Assim, o ser humano nunca será autônomo, ainda que deseje ser. Nasce com uma natureza imprópria para uma vida sadia e relacional, e sem capacidade de cumprir os objetivos e finalidades para os quais existe.
Em linguagem simples, Watchman Nee, em seu livro “A Vida Cristã Normal”, menciona que temos dentro de nós uma “fábrica de pecados”.
Ainda que, ao longo do tempo, tenha-se afirmado que o ser humano é bom por natureza, e que basta educá-lo (Rousseau), na realidade, tem dentro de si um “coração” perverso e desesperadamente corrompido (Jeremias 17.9), que necessita de transformação que somente o Evangelho pode promover.
Então, o que tudo isso tem a ver com aquela criança rebelde, teimosa, “ranheta”? Tudo a ver. Pois todos os seres humanos, depois da rebelião no Éden (Gênesis 3), nascem com essa natureza rebelde, com essa “fábrica de pecados”. E, à medida que a sociedade busca novos caminhos para sua autonomia e independência, fica mais presa à sua natureza decaída. O espaço aqui não permite, mas já foi possível mapear na história a repetição da rebeldia do Éden mais três vezes na linha do tempo.
Esse é o principal motivo pelo qual, em toda a Bíblia, temos o ensino que aponta para o investimento na formação da vida e no caráter das crianças desde as primeiras fases. Pare um pouco agora e leia os textos a seguir como exemplos disso. Procure outros textos similares em uma concordância bíblica ou até mesmo em alguma plataforma de Inteligência Artificial (prompt: apresente textos bíblicos sobre a importância da educação bíblica das crianças):
• Provérbios 22.6
• Deuteronômio 6.4-7
• II Timóteo 3.15
A neuroeducação mostra hoje que, desde as primeiras fases da vida, nosso cérebro vai formando redes neurais que se tornam caminhos mentais que orientam nossas decisões e o encaminhamento da vida. Não é à toa que a agenda mundial (infelizmente, também nacional) incentive a ideia de que pais não possuem o direito de dizer aos filhos o que devem fazer, mas devem apenas ser seus mantenedores, proporcionando o desenvolvimento de sua autonomia. Assim, crianças desprovidas de uma adequada “caixa de ferramentas” cognitivas, emocionais, psicológicas, mentais, éticas e de valores sadios e seguros, ficam à mercê de pretensos educadores que querem lhes roubar o que de mais precioso possuem: sua liberdade e sua construção histórica com seus familiares.
Pais precisam levar em conta que é necessário investir tempo na formação de seus filhos desde os primeiros momentos de vida, levá-los aos pés do Mestre para sua conversão às Boas Novas, para que, sendo renovados em seu interior, pela salvação, possam ter suporte espiritual para vencer sua “fábrica de pecados”, dependendo da graça de Cristo, do Espírito Santo (Romanos 8.1ss; II Coríntios 12; Gálatas 5.16ss), e promovendo a renovação de sua estrutura mental (Rm 12.2).
Pais precisam ver, na rebeldia de seu filho, múltiplas causas, desde psicológicas, culturais, mas também bíblico-espirituais, e dar o suporte necessário de forma integral.