Artigo

Clínica pastoral - Parte III

Chegamos ao último artigo sobre a prática da clínica pastoral, do aconselhamento bíblico. Um rápido retrospecto dos dois textos anteriores: no primeiro, falamos que “A clínica pastoral é um espaço de cuidado, onde o pastor se dispõe a ouvir, com compaixão, o sofrimento daqueles que o procuram com os mais variados problemas: crises conjugais, conflitos familiares, conflitos interpessoais, perdas, crises emocionais e tantas outras situações.” No segundo texto, destacamos que “na clínica pastoral, o pastor está submetido a um campo de ressonância espiritual e emocional que precisa reconhecer e do qual deve se proteger.” Usamos a palavra ressonância para ilustrar um fenômeno muito comum no aconselhamento, que é a reverberação do conteúdo emocional do aconselhando na vida do conselheiro. Pontuamos que é de fundamental importância “que o conselheiro — e, por extensão, o pastor — esteja atento ao seu próprio estado emocional. Se estiver fragilizado ou emocionalmente vulnerável, corre sério risco de absorver inconscientemente as angústias do outro, tornando-se refém da carga emocional que deveria ajudar a aliviar.”

 

Vamos agora a algumas orientações práticas do aconselhamento:

 

1º) O aconselhamento é uma orientação específica, para uma situação específica. É muito importante que o conselheiro não transforme o aconselhamento numa sessão de terapia. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Por vezes, o pastor é tomado por uma presunção de saber que o leva a pensar que tem condições de lidar e resolver todos os problemas que lhe são apresentados.

 

2º) Use a Bíblia com pudor. No livro Instrumento nas mãos do Redentor, Peter Scazzero diz que “A Bíblia não tem resposta para tudo, pelo menos no jeito que procuramos. A Bíblia não fala nada sobre TDAH, esquizofrenia, síndrome do pânico etc. O objetivo da Bíblia não é ser um manual de psiquiatria, psicologia etc.” (2013, p. 51, Ed. Hagnos).

 

3º) Escute, escute e escute. Muito embora o aconselhando busque do conselheiro uma direção para um determinado problema, sem dúvida alguma, o que ele mais quer é ser escutado. Mas escutar empaticamente não é fácil. Observamos isso de uma maneira muito clara na atitude dos amigos de Jó, que, depois de sete dias de silêncio, desembestaram a falar. Jó denuncia essa atitude totalmente equivocada dos seus amigos, dizendo: “Como, então, vocês querem me consolar com palavras vazias?” (Jó 21.34).

 

4º) Cuidado com expressões do tipo: “Eu sei o que você está passando”, “eu já vi isso antes”, “eu já passei por isso”, “no seu lugar...”. Os sinos que dobram em um cortejo fúnebre têm o mesmo som, mas reverberam em cada pessoa de maneira distinta. Por mais que a experiência do conselheiro se assemelhe à do aconselhando, jamais será idêntica. Cada indivíduo vivencia suas dores a partir da sua própria história de vida. Cada um é cada um, e cada experiência é uma experiência.

 

5º) Não culpe quem está pedindo ajuda. Tudo na vida tem consequências. A Bíblia diz que tudo o que o homem plantar, isso também colherá (Gl 6.7). Algumas pessoas buscam o aconselhamento por conta das consequências de um pecado cometido. Mas elas não esperam encontrar alguém com o dedo em riste dizendo: “Mas você não sabia o que estava fazendo? Você não pensou em Deus? Não pensou nas consequências?” O aconselhamento não é um lugar para dar “lição de moral”. É um espaço de acolhimento. O que não significa “passar a mão por cima” do aconselhando, tratando-o como uma criança. No aconselhamento, é preciso falar a verdade com Graça. Ou seja, sem culpar. Jesus demonstrou isso de modo muito claro quando disse para a mulher que foi levada até Ele por ter sido pega em adultério: “Ninguém te condenou? Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.” (João 8.10-11)

 

6º) Seja ético. Não existe nada pior do que um conselheiro que não consegue guardar em sigilo o que foi compartilhado no aconselhamento. Sem dúvida, existem alguns limites para esse sigilo. Mas é muito desagradável para uma pessoa que buscou o aconselhamento ouvir o conselheiro, o pastor, usando a história que ela compartilhou de modo reservado como ilustração de uma mensagem. Existem, inclusive, implicações legais em relação a isso.

 

A ética no aconselhamento também tem a ver com os limites dessa prática. O aconselhamento tem efeito terapêutico, mas não deve ser confundido com terapia. Mesmo que o pastor possua formação em psicologia, misturar os papéis no ambiente do espaço da igreja é antiético. Aconselhamento e terapia são espaços distintos, com objetivos e métodos diferentes.

 

Outras orientações práticas poderiam ser dadas, mas o espaço não permite. Quem sabe um dia possa fazer isso através de um curso. O fato é que o exercício do dom do aconselhamento, que em geral está atrelado à função pastoral, mas que não é exclusividade do pastor, cumpre um papel muito importante no contexto da saúde espiritual e mental dos membros da igreja e de toda a congregação.

 

No livro Saúde Mental e sua Igreja, os autores Helen Thorne e Dr. Steve Midgley deixam claro que “Em qualquer igreja, haverá sempre um número significativo de pessoas que estão sofrendo ou que têm um histórico de dificuldades para enfrentar a vida.” (2024, p. 80, Ed. Vida Nova). Infelizmente, o aconselhamento não tem sido valorizado como deveria. O que é uma pena, tendo em vista que muitos problemas, inclusive muitos conflitos interpessoais, poderiam ser trabalhados e superados através de um bom serviço de apoio espiritual e emocional, por meio da prática de um bom aconselhamento bíblico.

 

A minha convicção é que, desde que devidamente exercido, o aconselhamento pode contribuir de modo significativo para a promoção da saúde mental da pessoa e de toda a igreja enquanto congregação.

 
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